Criança, a tela digital e o brincar: narrativas de uma coordenadora pedagógica sobre o uso de tecnologias digitais da informação e comunicação na primeira infância

Abstract

A presente pesquisa se inscreve no campo da Educação Infantil com foco na problemática da inserção precoce das TIC no cotidiano das crianças de zero a três anos, especialmente no contexto da creche pública pós-pandemia de covid-19. Motivada pelas inquietações profissionais da autora, que atua como coordenadora pedagógica em uma instituição de Educação Infantil, a investigação buscou compreender os impactos do uso indiscriminado das TIC na creche e analisar como essas tecnologias têm afetado a prática pedagógica dos profissionais da educação após o período pandêmico. O objetivo geral da pesquisa foi compreender os impactos do uso indiscriminado das TIC na creche e analisar como essas tecnologias têm afetado a prática pedagógica dos profissionais da educação após a pandemia. Como objetivos específicos, buscou-se: (a) explicitar a inserção das TIC na creche; (b) compreender as especificidades da Educação Infantil e refletir sobre o desenvolvimento da infância na contemporaneidade; (c) evidenciar os impactos do uso excessivo das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem de crianças entre oito meses e três anos de idade; e (d) elucidar caminhos para o desenvolvimento profissional inicial e continuado de educadoras e educadores. O referencial teórico que fundamenta a pesquisa articula autores como Vygotsky (2003, 2018), Leontiev (1988), Kenski (2007), Desmurget (2021) e Jerusalinsky (1999), cujos aportes versam sobre o desenvolvimento infantil, a importância da brincadeira, os impactos da exposição às telas e o papel das mediações pedagógicas frente às novas tecnologias. As contribuições de Baptista e Jerusalinsky (2021) sobre a intoxicação eletrônica também embasam criticamente a análise dos fenômenos observados. Metodologicamente, a pesquisa adota uma abordagem qualitativa, de natureza aplicada, com caráter exploratório, e tem como procedimento o estudo de caso a partir de narrativas autobiográficas. A investigação se ancora nos pressupostos da pesquisa narrativa (Clandinin; Connelly, 2015; Souza, 2006), do estudo de caso (Yin, 2005; Stake, 2013) e das contribuições da escrita de si como possibilidade formativa (Larrosa, 2004, 2009). Os dados foram construídos por meio da análise de um diário de bordo, produzido ao longo de um período de atuação da pesquisadora como coordenadora pedagógica em uma EMEI da rede pública. As anotações contemplaram vivências com crianças, professores, equipe gestora, famílias e demais membros da comunidade escolar, revelando preocupações, desafios e percepções sobre o uso das TIC no cotidiano da creche. Os achados da pesquisa confirmam a hipótese inicial de que é urgente ampliar a discussão sobre o uso das tecnologias digitais na primeira infância, de forma crítica, consciente e mediada. Evidencia-se que o uso excessivo e não orientado das TIC compromete aspectos do desenvolvimento integral das crianças e impõe desafios à prática pedagógica. A ausência de formação inicial específica para lidar com esses recursos e a necessidade de formação continuada para os profissionais que já atuam emergem como caminhos possíveis para qualificar o uso das TIC de maneira ética, lúdica e alinhada às necessidades infantis. Como limitação, destaca-se a ausência de entrevistas com outros membros da comunidade escolar. Pesquisas futuras podem ampliar os olhares ao incluir múltiplas vozes e explorar os efeitos das TIC no contexto das relações pedagógicas, familiares e comunitárias.This research is situated within the field of Early Childhood Education, focusing on the issue of the early insertion of Digital Information and Communication Technologies (DICT) into the daily lives of children aged zero to three, particularly in the context of public daycare centers following the covid-19 pandemic. Motivated by the author’s professional concerns as a pedagogical coordinator in an Early Childhood Education institution, the study aimed to understand the impacts of the indiscriminate use of DICT in daycare settings and to analyze how these technologies have affected the pedagogical practices of education professionals in the post-pandemic period. The general objective of this research was to understand the impacts of the indiscriminate use of DICT in daycare and to analyze how these technologies have influenced pedagogical practices after the pandemic. The specific objectives were: (a) to clarify the integration of DICT in daycare settings; (b) to understand the specificities of Early Childhood Education and reflect on childhood development in contemporary times; (c) to highlight the impacts of excessive use of digital technologies on the teaching-learning process of children between eight months and three years old; and (d) to propose pathways for the initial and continuing professional development of educators. The theoretical framework draws on authors such as Vygotsky (2003, 2018), Leontiev (1988), Kenski (2007), Desmurget (2021), and Jerusalinsky (2020), whose contributions address child development, the importance of play, the effects of screen exposure, and the role of pedagogical mediation in the context of new technologies. The concept of “electronic intoxication” developed by Baptista and Jerusalinsky (2021) critically supports the analysis of the observed phenomena. Methodologically, this is a qualitative, applied, and exploratory study, using case study procedures through autobiographical narratives. The research is grounded in narrative inquiry (Clandinin & Connelly, 2015; Souza, 2006), case study methodology (Yin, 2005; Stake, 2013), and the contributions of life writing as a formative process (Larrosa, 2004; 2009). Data were constructed through the analysis of a reflective journal written during the author's professional experience as a pedagogical coordinator in a public Early Childhood Education institution. The entries addressed experiences with children, teachers, the management team, families, and other members of the school community, revealing concerns, challenges, and perceptions regarding the use of DICT in the daycare setting. The findings confirm the initial hypothesis that it is urgent to broaden the debate on the use of digital technologies in early childhood education, advocating for a critical, conscious, and pedagogically mediated approach. Excessive and unmediated use of DICT was shown to impair aspects of children's holistic development and pose challenges to educational practices. The lack of initial teacher training to address digital resources and the need for continuing education for in-service teachers emerged as key strategies for ensuring ethical, playful, and developmentally appropriate use of DICT. A limitation of the study is the absence of interviews with other school community members. Future research may expand these perspectives by incorporating multiple voices and further examining the effects of DICT on pedagogical, familial, and community relations.